segunda-feira, 24 de março de 2008

O camponês que virou presidente.


Refiro-me a Evo Morales e sobre ele já escrevi antes, tal como se vê: Mini-biografia de Evo Morales e Morales parece el contador de Chávez. , dentre outros.
Agora chegou a hora de se fazer um balanço inicial de sua tumultuada gestão, de pouco mais de dois anos, tratando apenas da questão a seguir.
Era seu máximo objetivo editar uma nova carta magna para seu país. Para tal foi eleita uma assembléia constitucional exclusiva, que teria o prazo de um ano para elaborá-la. Durante todo ele, os constituintes se digladiaram entre si e nada produziram; afinal, a situação dispunha da maioria absoluta, mas precisava de 2/3 dos votos dos seus componentes para votar e aprovar os dispositivos constitucionais, na forma da lei de sua convocação. E os votos que faltavam estavam nos partidos oposicionistas. Diante disso, por lei posterior do Congresso boliviano, os trabalhos foram prorrogados por mais alguns meses. Quando estes estavam para se findarem o panorama continuava igual – nenhum simples artigo fora votado. Porque? Nunca houve acordo entre oposição e situação, fechando-se cada qual em torno de suas posições. Ficando evidenciado, que aquela nas circunstâncias queria, que a constituinte fosse dissolvida e uma outra fosse eleita; ali, estaria uma nova oportunidade para ela ser maioria.
Neste impasse, a situação, que tinha a presidência, a maioria absoluta dos deputados e um texto prévio ao seu gosto, não teve dúvidas e forçou a barra. Aproveitando alguns tumultos populares, que ocorriam na velha cidade de Sucre, aonde ela estava sediada, transferiu os trabalhos legislativos para uma escola militar ali sita, aonde foi modificado o regimento interno da casa, prevendo-se que os 2/3 seria dos presentes e não do total da assembléia (algo claramente ilegal); e depois a ilícita transferência dos trabalhos para o Departamento de Oruro, que era governista, o que permitiu sua aprovação por aclamação em curiosas cenas, que lembravam as reuniões dos antigos indígenas pré-colombianas. Fato comprovado pela foto, que acompanha este texto.
Ora, tais mudanças eram ilegais e viciaram de tal maneira as votações, o que tornou nula sua aprovação, sendo de se concluir que inexiste novo texto constitucional neste país, pois o aprovado é nulo de pleno direito.
Uma pessoa civilizada dirá que o assunto poderá ser resolvido na Corte Constitucional, que funciona na Bolívia. É verdade, desde que esta possa se reunir, o que não é possível, pois face às claras manobras anteriores da presidência do país, aquela corte está sem juízes em número suficiente para julgar qualquer causa, e por isso, absolutamente inoperante. Dependendo do Legislativo para que este complete o seu quadro de magistrados, ora insuficiente. Sendo a câmara dos deputados dominada e manobrada por Evo Morales e seus asseclas, que manterão a situação atual, enquanto esta lhes convier.
Por ora, o texto constitucional que foi produzido nada vale. A oposição não pode questionar sua validade na justiça competente. E o governo arbitrário, também não está conseguindo leva-lo a referendo popular, pois para isto a Corte Nacional Eleitoral (CNE), outro órgão judicial, exige que o congresso convoque aquela consulta, obedecidas as formalidades legais. O que já foi feito, porém, desobedecendo-as, fato detectado pela CNE.
Parece um grande obstáculo, mas na Bolívia, o Judiciário não é respeitado, nem suas decisões são obedecidas. Os juízes não são de carreira, nem são vitalícios, e estão sujeitos ao arbítrio do Executivo e Legislativo. Por isto é bom acompanhar, para ver que nova matreirice será feita pelo governo, cujo chefe é apenas um camponês e bastante iletrado, que menospreza as leis e os legisladores. Preferindo o governo indígena pré-colombiano, no qual os chefes decidiam todas as questões de maneira absoluta.
Enquanto isto, a inexistência da nova constituição e o descrédito da atual se refletem em toda a vida da Bolívia, inclusive na sua economia, despertando sérias desconfianças de investidores estrangeiros, que não vêem segurança jurídica para suas aplicações de médio e longo prazo. O que é péssimo para um país, que não dispõe de nenhuma poupança interna para tal. Fora similares repercussões negativas nos investidores internos, estes ainda mais atormentados pelos acontecimentos.

Fonte da foto:
Rudovski, Noah Friedman em The New York Times.
http://www.nytimes.com/2007/12/15/world/americas/15bolivia.html?pagewanted=2&_r=1
Acesso em: 15/12/2007.